domingo, 5 de fevereiro de 2012
Juazeiro do Norte-CE: Estudo aponta influência da cultura africana no reisado
Livro de pesquisadora da UFC ressalta as raízes africanas do folguedo e propõe estudos sobre o tema nas escolasELIZÂNGELA SANTOSRituais ligados à essa manifestação popular tiveram início na África Central, tendo sido trazidos ao Brasil através do tráfico negreiro, passando, em seguida, por um processo de ressignificação e reelaboraçãoJuazeiro do Norte O estudo das africanidades locais como elemento norteador do trabalho pedagógico na escola. Esse é o principal foco do estudo desenvolvido pela pesquisadora, mestre e doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Cícera Nunes, que acaba de lançar, no Cariri e em Fortaleza, o livro “Reisado Cearense – Uma Proposta para o Ensino das Africanidades”.Segundo a pesquisadora, está sendo trabalhada a possibilidade de que a educação com esse viés seja levada ao cotidiano das escolas e proporcione o aprendizado da cultura, a partir dos elementos que são próprios do dia a dia do aluno.
No Ceará, está sendo focado o reisado por meio do seu trabalho, já que há uma manifestação muito ampla de que a formação desses grupos seja de origem europeia.Cícera Nunes lançou, no Cariri e em Fortaleza, o livro que propõe o ensino de africanidades através do reisadoA partir do momento em que Cícera foi estudar essa forma de manifestação da cultura, percebeu uma identificação estreita entre os rituais de coroação dos reis negros, que deu origem ao reisado atual. O ritual de coroação era uma prática comum no continente africano, tendo início na África Central, principalmente na Angola, Congo e Moçambique. Com o tráfico negreiro, a prática foi trazida para o Brasil, ressignificada e passou por um processo de reelaboração.Irmandades e cultosA partir desses elementos, o reisado do Cariri passa a ter origem nesses rituais de coroação dos reis negros, vivenciados dentro do contexto das irmandades negras, instituições religiosas fortemente presentes em todo o Brasil. Exemplos dessas irmandades são os cultos a vários santos como São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia, dentre outros. No Ceará, a mais presente foi a irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de Norte a Sul do Estado.A pesquisa de Cícera Nunes aponta que esse ritual de coroação dos reis negros influenciou diretamente o contexto das irmandades que existiram no Cariri. Esse ritual entra no reisado, também como uma manifestação da religiosidade.
Segundo Cícera, como, no Cariri, a instituição religiosa foi muito presente. Isto pode justificar, em parte, a presença forte da manifestação dos reisados no sul cearense. Entretanto, é uma área de confluência entre outros Estados do Brasil, com uma ligação maior com Alagoas e Pernambuco.Um dos maiores desafios para os que tentam preservar os reisados é atrair os mais jovens, dos quais muitos não se interessam pelas manifestações culturaisTanto que há muitos mestres da cultura alagoanos mais antigos, que vieram para a região por conta das romarias ou simplesmente para morar em Juazeiro. “Há uma relação muito estreita entre o reisado cearense e o alagoano”, pontua.A pesquisadora destaca a presença da matriz africana em sua origem, apesar da influência europeia. Isso não quer dizer, afirma, que seja uma manifestação afro, mas que preserva a essência de base africana. “Esse elemento passou por um longo processo de reelaboração, para que existam essas características de hoje, dialogando com outras etnias”, explica.A influência forte do catolicismo no reisado é um exemplo desse diálogo, com manifestações que acontecem principalmente no ciclo natalino, no Dia de Reis, e também nas louvações aos santos católicos. O processo de expansão do catolicismo no continente africano aconteceu a partir da influência da Europa e, ao chegar ao Brasil, os africanos trouxeram esses elementos.CoroaçãoA pesquisadora classifica como elemento mais forte que caracteriza a ligação dos reisados com a África o ritual de coroação, uma vez que toda a dança e a organização giram em torno do ritual, além da devoção à Nossa Senhora do Rosário.Em Fortaleza, a escritora fez uma abordagem histórica e educacional do seu trabalho, na perspectiva de implantação de fato da lei que possibilita o ensino de história com elementos que remetem ao continente africano.Ela abordou a forma de interpretação a partir dessas origens, do ensino da cultura, ainda incipiente na sala de aula. “A lei é uma ação que deve ser trabalhada nas escolas de forma permanente como política pública, que envolve desde a formação docente até instrumentalização”, frisa. Essa seria uma forma de facilitar esse trabalho.
O livro, salienta Cícera Nunes, foi desenvolvido seguindo essa intenção.FIQUE POR DENTRORelação estreita com tradições da ÁfricaO livro “Reisado Cearense – Uma Proposta para o Ensino das Africanidades”, de autoria da pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cícera Nunes, revela a relação estreita entre as tradições africanas e o reisado da forma que é celebrado no Interior. Confira um trecho do livro: “Nessa pesquisa, nosso olhar se voltou para a cultura de matriz africana no contexto do Município de Juazeiro do Norte, tendo nos reisados locais nosso principal campo de análise. As danças de cortejo de base africana têm sua origem a partir das eleições e reis do Congo da África. Neste país, costumeiramente se realizavam cerimônia. Com a invasão europeia no continente africano, a partir do século XV passa a ter um significado apenas simbólico”.Mais informaçõesPesquisadora Cícera NunesTriângulo, Juazeiro do NorteTelefones: (88) 3571.6044(88) 9929.9310Preço do livro: R$ 38,00Mestres trabalham para preservar tradiçõesJuazeiro do Norte O saber dos mestres dos reisados na região do Cariri resiste ao tempo e preserva a história de uma cultura forte, ancestral. A mistura de elementos que traduz essas manifestações pode ter diversas interpretações, que remetem à riqueza secular desse ritual. Exemplos raros de manifestação do reisado no Nordeste são o reisado do couro, realizado no sítio Barro Vermelho, em Barbalha, e o reisado de máscaras, em Potengi, no Sítio Sassaré.Esses grupos foram resgatados e resistem ao tempo, com sacrifícios para manter as novas gerações no domínio da cultura – o que tem sido um grande problema, já que maioria dos jovens, muitos da própria família dos brincantes, chega a sentir vergonha de continuar o legado.Em Barbalha, o reisado do couro foi resgatado há mais de três décadas, com os seus brincantes. O mestre José Pedro de Oliveira, com 82 anos, luta pela permanência da tradição e sai no comando das ordens com o seu pandeiro.Legado étnicoO folclorista e dramaturgo Cacá Araújo destaca o vigor cultural do Cariri na cultura tradicional popular com sua mais profunda representação. O reisado, segundo o pesquisador, é um dos maiores mais vivos legados da fusão de etnias. “É um folguedo popular de grande complexidade, pois reúne em si elementos de vários outros folguedos”.“E, nos grupos, podem ser observados, além da dança, o canto e a representação dramática, guardando relação com a festa dos Santos Reis e, no Cariri, também com os rituais de coroação do Reis de Congo, pela forte influência africana”, acrescenta.A Tiração de Reis, pelos Reisados do Cariri cearense, ou a Folia de Reis em diversas outras regiões brasileiras, é tradicionalmente realizada no período de 25 de dezembro a 6 de janeiro, e tem sua origem primária na Festa do Sol Invencível, comemorada pelos romanos e depois adotada pelos egípcios.Cultura em evidênciaO mestre de reisado Antônio Pereira Evangelista, que há mais de 15 anos está à frente do seu grupo, afirma que essa é uma oportunidade de evidenciar a cultura popular em Juazeiro, que se apresenta para o Ceará e o Nordeste com forte representatividade. O mestre Antônio Luiz de Sousa, por exemplo, é considerado tesouro vivo da cultura e conserva uma tradição de família, com sacrifícios e com pouco apoio dos órgãos de fomento. Para preservar a tradição, criou, junto com outros artistas, a Cooperativa de Artistas Populares Filhos da Terra do Padre Cícero.A tradição do reisado de couro remonta mais de 100 anos em Barbalha, segundo o mestre, que recebeu o título de Mestre da Cultura Popular no Estado em 2005. As apresentações do grupo aconteciam na sede dos agricultores do bairro e, depois nas ruas de Barbalha.De acordo com Cacá Araújo, o reisado se apresenta com estrutura ou elementos distintos nas várias regiões do Estado. No Cariri, acentua, a presença do negro na cultura da cana-de-açúcar faz aparecer o reisado como os Reis de Congo. Já no sertão, complementa, a cultura do gado o transforma no Reis de Couro ou Reis de Careta. No litoral, por sua vez, surgem novas figuras como os “papangus” e o “folharal”.As dificuldades de manutenção das tradições desses grupos, segundo Cacá, estão ligadas a um dos principais entraves ao desenvolvimento de qualquer folguedo – a carga midiática. “Difundindo saberes e costumes estranhos à nossa cultura, muitos deles carregados de futilidade consumista e pornografia”, diz. Talvez seja esta uma das grandes razões para a fuga dos jovens, na desapropriação de suas próprias raízes culturais.
Mais informaçõesSecretaria de Cultura de BarbalhaTelefone: (88) 3532 1708Prefeitura Municipal de PotengiDiretoria de CulturaTelefone: (88) 3538.1225.
Fonte:Diário do Nordeste
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